Mensagem de Natal do Bispo de Angra
D. António Braga reflete nesta mensagem, entre outros aspetos, sobre os dinamismos concretos da Esperança Cristã como princípio transformador da realidade, e sinal do Reino de Deus já presente na História. Esperar não é cruzar os braços!
MENSAGEM DE NATAL 2012
É Natal. Um Natal difícil, mas muito necessário. Tanto mais necessário, quanto se vive um momento de grande incerteza em relação ao futuro. Urge reavivar a esperança. Mais do que nunca, é preciso redescobrir e viver o Natal com mais fé, fundamento da esperança. A fé cristã é esperança: «garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem» (Heb 11, 1).
Estamos no Ano da Fé. Ora, ter fé é “crer sem ver”, isto é, “confiar” em Alguém, concretamente no Deus, revelado por Jesus Cristo, que veio ao mundo, para instaurar o Reino de Deus, que não é «um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega» (Bento XVI, Spe Salvi=SS, 2007, nº 31). Com o Natal de Jesus, o Reino de Deus «já» está presente e actuante no meio de nós, embora «ainda não» completamente realizado. Por isso mesmo, fala-se de esperança e não de pleno cumprimento.
1. Como explica o Concílio Vaticano II, «a restauração prometida, que esperamos, já principiou em Cristo, foi impulsionada com a vinda do Espírito Santo e continua por meio d’Ele na Igreja… Já chegámos, portanto, ao fim dos tempos; a renovação do mundo está irrevogavelmente decretada e vai-se realizando em certo modo já neste mundo (…) até que apareçam os novos céus e a nova terra, em que habite a justiça» (Lumen Gentium, nº 48).
“Esperar” não é cruzar os braços. A etimologia latina do termo “esperar” (“adtendere”) nada tem a ver com resignação. Exprime “tensão para”. “Esperar” é empenhar-se, tender para a meta, com a esperança certa de a alcançar. A esperança não consiste apenas em palavras, mas implica um compromisso concreto, com vista ao futuro.
«Precisamos das esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande esperança, que deve superar todo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus (…).
«Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto (…). Somente o seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade, dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito» (Bento XVI, SS, nº 31). Como afirma o profeta, «os que esperam no Senhor renovam as suas forças (…). Ele dá força ao que anda exausto e vigor ao que anda enfraquecido» (Is 40, 29-31).
2. Toda a «crise» implica mudança. Este é o Natal da «mudança», para abrir caminho a uma sociedade mais justa e fraterna. Efectivamente, Jesus veio, para reunir numa só família a humanidade dispersa. Por isso mesmo, se quisermos «refazer» a Europa, torná-la mais unida e solidária, temos de regressar às suas raízes cristãs, fundamento de humanismo autêntico.
Afirmava o beato João Paulo II: para dar novo impulso à sua história, a Europa «deve reconhecer e recuperar, com fidelidade criativa, aqueles valores fundamentais, adquiridos com o contributo determinante do cristianismo, que se podem compendiar na afirmação da dignidade transcendente da pessoa humana, do valor da razão, da liberdade, da democracia, do Estado de direito e da distinção entre política e religião» (João Paulo II, Sínodo dos Bispos sobre a Europa, 1999).
Não compete à Igreja, como tal, encontrar soluções técnicas, para resolver a crise. Mas, equidistância não significa neutralidade. Nem todas as possíveis opções políticas se coadunam com o Evangelho de Jesus. Há princípios e critérios da Doutrina Social da Igreja, derivados do Evangelho, que urge ter presente para humanizar a vida em sociedade.
«A Igreja não pode, nem deve tomar, nas suas próprias mãos, a batalha política, para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça… Entretanto, o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é próprio dos leigos. Estes, como cidadãos do Estado, são chamados a participar pessoalmente na vida pública. Não podem, pois, abdicar “da múltipla e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover, orgânica e institucionalmente, o bem comum”…» (Bento XVI, Deus Caritas Est, 2005, nn.28-29).
Apesar de tudo, é Natal. Faço minha a boa nova dos Anjos na noite de Natal: «Não tenhais medo! Anuncio-vos uma grande alegria (…): Hoje nasceu-vos o Salvador, que é Cristo Senhor» (Lc 2, 10-12).
Hoje, neste momento. Para mim e para ti, minha irmã e meu irmão, que sentis o peso da solidão e da incompreensão, da doença e da idade, da crise económica e da luta pela vida… Incarnando, Deus tornou-se o Emanuel: Deus-Connosco. «Eu conheço bem os desígnios que tenho sobre vós – diz o Senhor – desígnios de paz e não de aflição, de vos garantir um futuro de esperança. Buscar-Me-eis e haveis de encontrar-Me, se Me buscardes de todo coração» (Jer 29, 11.13). Bom Natal para todos!
+ António, Bispo de Angra