Agenda Paroquial:

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Para reflectir

O enterro da Paróquia


Ouvi esta "história" ontem (26.03.2014), num encontro de agentes pastorais das paróquias de Arroios, Constantim e Mateus , contada, em breves traços, pelo Frei Lima, franciscano. Deixo aqui a minha versão (revista e muito aumentada):

Um padre foi nomeado, pelo Bispo da Diocese, para uma nova paróquia. Quando lá chegou, logo verificou que os habitantes daquela localidade pouco ou nada queriam saber da igreja e muito menos da Igreja, de tal modo que o edifício estava num estado muito degradado, com vidros partidos nas janelas, faltavam telhas no telhado, paredes a necessitar de uma boa pintura, etc.

Quando à Igreja local, também não estava muito bem: não havia sacristão para abrir as portas ou tocar o sino, nem uma única zeladora que varresse o chão, limpasse o pó, colocasse flores nos altares ou lavasse as toalhas e os paramentos litúrgicos.

Ninguém estava disponível para orientar as sessões de catequese das inúmeras crianças e adolescentes que moravam na localidade, nem para fazer as leituras ou cantar durante as celebrações, acolitar o padre durante a missa, ministros extraordinários para distribuir a Sagrada Comunhão pelos doentes que estavam retidos em casa.

Nem os próprios membros da comissão fabriqueira, mesmo tendo aceitado fazer parte da mesma, apareciam às respectivas reuniões, deixando o padre, enquanto presidente da mesma, a falar sozinho.

O padre tinha de fazer tudo o que era necessário para manter a paróquia a funcionar, mas por mais que fizesse e tentasse encontrar colaboradores, todos se escusavam, apresentando as mais variadas desculpas. A situação era verdadeiramente insustentável, pelo que se tornava necessário encontrar, e rapidamente, uma solução.

Uma noite, antes de se deitar, o padre olhou para o crucifixo colocado na sua mesinha de cabeceira, como fazia todas as noites, e, quando se preparava para ajoelhar e rezar, pareceu-lhe que Jesus sorriu e lhe piscou o olho.

Pensou tratar-se de uma ilusão, mas…

Sentou-se na cama e pegou no crucifixo com ambas as mãos, e ficou a olhar para Cristo crucificado, tentando vislumbrar um novo sorriso ou um novo “piscar de olhos” vindos daquela imagem de madeira, tão antiga quanto a paróquia.

Durante largos minutos, nada!

Continuou a olhar e, enquanto olhava, lá começou a martelar-lhe o pensamento a lembrança das dificuldades que estava a passar para tentar encontrar, pelo menos, um ou dois colaboradores que o ajudassem nas tarefas pastorais, e começou a tomar consciência de que ainda não tinha pedido ajuda Àquele que tudo pode e que nunca nos abandona, particularmente nos momentos mais difíceis da nossa vida.

Então, começou a falar com Ele… e escancarou as portas do seu coração, cheio de tristeza pelo estado lastimável em que se encontrava a paróquia, e de angústia por não estar a ser capaz de cumprir com a missão que o bispo lhe tinha confiado.

Quando terminou, Jesus piscou-lhe o olho, sorriu-lhe de novo e sussurrou-lhe umas quantas palavras que qualquer outra pessoa, eventualmente presente naquele quarto, era incapaz de ouvir, pois apenas encontraram eco no coração do padre.

No final, o padre apenas disse:

Obrigado, meu Senhor e meu Deus!

Depois de ter colocado o crucifixo na mesinha de cabeira, deitou-se e dormiu o sono dos justos.

No dia seguinte era Domingo, e o padre, ansioso, dirigiu-se apressadamente para a igreja, a fim de rezar a missa da manhã.

Não ia triste e amargurado, como das outras vezes, quando sabia que ia encontrar, sentadas nos inúmeros bancos da igreja, meia dúzia de idosas, a rezar o terço, e que continuavam a fazê-lo mesmo durante a celebração da Santa Missa.

Desta vez era diferente. Ai se era!

Antes do final da homilia, tossiu algumas vezes, como que para aclarar a voz (mas o que pretendia era chamar a atenção das presentes), e disse do modo mais solene que conseguiu:

Minhas irmãs, quero comunicar-vos que, logo à tarde, em vez da missa das 6 horas, vou celebrar uma “missa de corpo presente”, a que se seguirá o “enterro” desta paróquia.

E continuou com a celebração da missa, como se o que acabara de dizer fosse a coisa mais natural do mundo.

Algumas das presentes não perceberam logo à primeira, e perguntaram a quem estava mais próximo o que é que o padre tinha dito. Mas como nenhuma das presentes percebera bem o “anúncio” que tinha sido feito, umas delas, mais afoita, no final da missa, foi ter com o padre à sacristia e perguntou-lhe o que é que ele quis dizer com aquelas palavras.

O padre só respondeu:

Venham e verão!

Saindo rapidamente da sacristia, a Ti Maria foi contar às idosas presentes o que o padre lhe tinha acabado de confirmar: em lugar da habitual missa das seis, o padre ia celebrar uma “missa de corpo presente” e, logo de seguida, “o enterro” da paróquia.

Como folhas secas levadas pelo vento, as senhoras foram apressadamente contar o que tinham acabado de ouvir às suas famílias, aproveitando para informar quem encontravam pelo caminho: a Mariazinha da Farmácia Remédios, o Zé Alberto do Café Império, a Milú do Cabeleireiro Mizé, o António do Talho Pimpão, a Anita da Mercearia Central, e muitos mais comerciantes, os quais, apesar de ser Domingo, estavam de “portas abertas” para atender os fregueses.

Rapidamente a notícia do “enterro da paróquia” chegou aos ouvidos de todos os habitantes da paróquia, de tal modo que, ainda as seis horas da tarde vinham longe, já a igreja estava apinhada de gente baptizada e não baptizada, de crentes e de não crentes, de agnósticos e de ateus, num número tal que transbordava para o adro.

Chegada a hora marcada pelo padre, chegou à porta da igreja o cangalheiro da vila, no seu veículo, transportando uma urna fechada.

Parou e abriu a porta traseira da viatura. Olhando para os curiosos que se aproximaram, pediu-lhes:

Não se importam de dar aqui uma ajudinha. Preciso de quatro homens fortes.

Sem que houvesse necessidade de repetir, pois a curiosidade era imensa, e não havia tempo a perder para que se fizesse o “enterro da paróquia”, quatro pares de mãos agarraram na urna, puseram-na aos ombros e transportaram-na até junto do altar, onde a colocaram.

O padre celebrou a missa de “corpo presente” e, no final, dirigiu-se a todos os presentes dizendo:

Meus irmãos e minhas irmãs. Antes de mais quero agradecer a presença de todos neste momento em que vamos proceder ao “enterro da paróquia”. Mas, antes de levarmos o caixão até ao cemitério, quero convidar-vos a todos, sem excepção, para, individualmente, vos despedirdes da “paróquia”. Façam uma fila ao centro e aproximem-se da urna.

O povo presente logo se apressou a fazer uma fila no centro da nave da igreja e todos começaram a caminhar em direcção à urna.

O padre abriu a urna… quando o primeiro lá chegou, deu um grito de surpresa e um salto enorme, afastando-se rapidamente do caixão. E o mesmo aconteceu com todos os outros.

Qual teria sido a razão de tal comportamento?

Iluminado por Deus, o padre tinha colocado dentro da urna um enorme espelho, de tal modo que, quando alguém olhava lá para dentro o que via era a sua imagem reflectida no espelho.

Efectivamente, a Paróquia não é uma entidade abstracta, mas é o conjunto das pessoas que, vivendo numa mesma área geográfica, professam, testemunham e celebram a sua fé em Jesus Cristo.

A Igreja não é o edifício onde se pode rezar e celebrar os sacramentos, mas são todos os baptizados que foram chamados por Jesus Cristo à santidade, e que, por isso, constituem o Seu Corpo.

A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, do qual Ele é a Cabeça.

Dito de uma forma simples: o enterro de uma “paróquia” não é mais nem menos do que o “enterro” de cada um que vive nessa mesma “paróquia”, pois se uma “paróquia” está morta, é porque a vida espiritual de cada um dos seus habitantes baptizados já morreu há muito.

Para terminar. Qual tem sido o nosso papel na vida da nossa paróquia? Ou será que temos estado a dar um grande contributo para o “enterro” da nossa paróquia?
JP